MEMORIAL - A experiência das práticas educomunicativas em uma escola de ensino publico.


Memorial

Resultado de imagem para educação


Nos dias 4 e 5 de maio de 2017 eu e minha turma de educomunicação tivemos a oportunidade de participar de uma experiência ímpar: fizemos uma viagem para uma cidadezinha no interior do Ceará, fomos para Trairi, mais precisamente para o distrito de Canaã conhecer a escola Pe. Rodolfo Ferreira Cunha e seus alunos.


A proposta dessa viagem era trabalhar os conceitos de educomunicação aprendidos em sala de aula, ver de que forma essas teorias de comunicação e educação realmente se alinham na prática conhecendo a realidade social de uma escola de ensino público.

Partindo da proposta educomunicativa, a ideia é que fossem criadas oficinas  que ao mesmo tempo que fossem inclusivas e de alta participação também mostrasse parte da nossa realidade e forma de pensar na universidade. Com isso  o objetivo era trazer oficinas que fugiriam dos modelos escolares tanto conhecidos onde os professores se colocam a frente e são os portadores da palavra, praticamente os donos da razão. Nessa proposta os alunos teriam participação ativa e influenciariam os resultados daquela experiência. Paulo Freire defendia que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, e com base nisso o conceito de se fazer uma oficina, de forma que houvesse debate e produção de conteúdo e de que dessa forma a assimilação das ideias propostas ocorresse.

Ao todo foram formadas 6 oficinas, três para cada dia da viagem, sendo a minha somente no segundo dia. No primeiro dia foram apresentadas oficinas de Criação de cartazes e a prática do lambe lambe, oficina de caligrafia e design e uma oficina sobre realidade aumentada. Neste dia tive a oportunidade de participar  de todas as oficinas, apesar de terem sido todas administradas ao mesmo tempo, consegui ficar correndo entra uma sala e outra e acompanhando o trabalho dos colegas como também o comportamento dos alunos.
O que deu para perceber nesse primeiro contato é que muitos alunos não entendiam o motivo de terem que participar dessas atividades, tomavam as atividades como “hora livre” e até como um momento de diversão, da fuga da sala de aula. Alguns já se mostravam mais interessados pelos temas e mantinham uma participação ativa sempre questionando os temas abordados.


Uma questão interessante ao observar esses alunos foi reparar no quesito da aparência, via-se que quase todos os meninos seguiam as mesmas tendências de moda e de como alguns se esforçavam para aparecer mais do que os outros, tentavam mostrar seu valor naqueles espaços ( tal qual como pavões mostrando poder), existe toda uma necessidade naquele ambiente de se fazer ser visto e reparado. Isso tudo me faz lembrar de uma discussão do Orofino  de como existe uma busca para se conhecer as identidades individuais e também um processo na criação das identidades culturais. Foi curioso perceber também como nos grupos de meninas de cada turma por exemplo reinava uma cor de batom, existia o clube do batom Azul, do Roxo, do vermelho e assim por diante. Mesmo a simples escolha de uma cor de batom era uma forma muito distinta feita por aquelas alunas de se mostrarem parte de um grupo que tem certas ideologias, formas de agir e até mesmo  a mesma linha de perspectivas para o futuro.


Voltando para as oficinas, a que tive mais contato foi a de realidade aumentada. Com essa turma também  foi trabalhada a realidade virtual, muitos dos jovens que estiveram ali puderam ter seu primeiro contato com esse tipo de tecnologia. A esperança é de que ao verem essas novidades se mostrassem interessados e conseguissem também como futuros usuários e mesmo desenvolvedores desse tipo de tecnologia. Houve toda uma euforia com alguns dos testes realizados e um clima de descontração na sala de aula.


Ao imaginar uma cidade que nem ao menos pega sinal de telefone testando esse tipo de tecnologia achei que os alunos pudessem se sentir distanciados mais ainda do “mundo moderno”, mas o processo aconteceu da forma inversa, essas adversidades eram mais um incentivo para quererem o novo e entender como este funcionava.

Tive um pouco menos de participação nas outras duas oficinas desse dia, mas vi ambientes controlados com jovens focados e realizando tarefas. A oficina de Lambe Lambe foi uma das que mais me chamou a atenção, já esperava que pudessem ser feitos cartazes de cunho polêmico, mas o mais feliz foi ver o apoio da escola no ato de pregar esses materiais nas paredes, é muito bom poder se contar com uma escola que usa de práticas democráticas e permite aos alunos uma participação nas questões da escola e de sua comunidade. Isso torna o corpo discente mais próximo da escola, da sua realidade  e mais engajado em suas causas.

No segundo dia foram ministradas oficinas de escrita livre, oficina para discutir os problemas ambientais da região e uma oficina sobre projeto de vida com design thinking. Esta última foi a que tive a oportunidade de apresentar junto de um outro colega. Por não poder estar presente nas outras oficinas não posso comentar muito sobre o que ocorreu nestas.
No conceito da criação da oficina de projeto de vida  a ideia era de tomar experiências de vivência pessoais e levar isso para aqueles jovens, de forma a motivá-los a se organizarem nos seus estudos e criarem novas perspectivas de que rumo poderiam dar aos seus futuros. Usar do conceito de design thinking foi justamente uma maneira de tentar criar uma estrutura para organizar os pensamentos e as etapas que cada um teria de passar para alcançar os seus objetivos.

Não sou capaz de dizer que a oficina saiu exatamente como o planejado. O que surpreendeu foi termos conseguido uma lotação da sala, um número de alunos muito mais do que o esperado e com isso houveram algumas dificuldades na hora da conversa com os alunos devido a conversas paralelas e a falta de atenção de alguns outros. É nessas horas que a gente enxerga as dificuldades que muitos professores passam durante a vida e passa até a entender o motivo de muitos destes se fecharem num sistema de ensino que considerem “eficiente”, mesmo  que isso signifique exigir um padrão comportamental e dar o mesmo conteúdo de forma robótica durante anos. Esse é o caminho mais fácil, o que estamos já acostumados, mas abrir o espaço de discussão em sala de aula , apesar de complicado de lidar, também teve os seus momentos edificantes.


Paulo freire escreveu em seu livro autonomia da pedagogia que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” e devo concordar que esta é uma verdade absoluta!


Uma coisa que ressaltei nesse dia é que cada pessoa é diferente, todo mundo teve uma educação diferente e teve vivências diferentes. Tudo isso remonta o que somos e como agimos. Esses contrastes de vida é que nos fizeram ver que ao mesmo tempo que alguns alunos diziam ter como sonho ir para a universidade estudar engenharia, medicina, pedagogia e etc, alguns outros não esperavam nada de si e mesmo sonhavam com a vida do crime, falando abertamente sobre quererem ser traficantes e pistoleiros.
Chega a ser um choque de realidade e nos faz pensar como educadores que caminhos tomar, que palavras usar que sejam apropriadas para aquele momento, para que não cative somente os mais interessados e sim os mais perdidos, pois estes são os que mais precisam de ajuda. É nessa hora que buscamos colocar todas as práticas educomunicativas em vigor, buscamos a conversa franca, aberta e tentar entender o que motiva cada um a pensar como pensaram.
Dar espaço de voz aos alunos fez com que muitos expusessem seus sonhos, se fizessem conhecidos os seus desejos para outros alunos, deu vez aqueles que não tinham ideia do que esperavam para o futuro de pensarem em novas possibilidades.
Por se tratar de uma região mais carente financeiramente, culturalmente e socialmente ter baixas perspectivas de futuro se mostrou ser uma realidade bastante comum entre os alunos que acompanhamos.Com o contato que tivemos pudemos perceber que muitos dos que estão ali sentem uma necessidade voraz de serem ouvidos, de serem entendidos e de se expressarem como indivíduos, vimos a necessidade de um acompanhamento pedagógico e psicológico forte. Sabemos que a escola não tem condições de arcar com todos os problemas, pois muitos deles já estão enraizados na família, na comunidade e no interior dos indivíduos, mas trabalhar essas questões se mostrou objeto de extrema urgência e importância dentro do contexto que observamos naquela escola.

Espero profundamente que no futuro as escolas de base, as escolas do ensino público brasileiro sejam mais valorizadas pois é muito doloroso ver todo o descaso no qual os alunos e a populações daquela região estão inseridos e de como existem necessidades que precisam ser urgentemente tratadas e controladas como os problemas de verba, de infraestrutura, da situação das estradas e transportes para o acesso à escola, da alimentação dos alunos e até mesmo quanto a questões odontológicas.
Esta foi apenas uma escola, muitas outras podem se encontrar nessas condições ou até mesmo piores e por isso que essas questões se mostram tão urgentes e carentes de atenção
Por fim, a experiência vivenciada nessa viagem foi riquíssima, não só o fato de conhecer a região, a realidade da escola e dos alunos, mas também o fato de ter feito os alunos se expressarem e produzirem conteúdos diversos dos quais pudessem se orgulhar, agradecer pelas coisas que são gratos e fazerem seus protestos, como Orofino já evidenciou as mídias são importantes ferramentas que potencializam a mobilidade social e ver essas mobilidades ocorrendo na prática dão um ar de esperança e de que alguma mensagem do que foi passado pelos vários estudantes da disciplina vai ser levada com esses alunos. A ideia que a nossa pequena participação em um ou dois dias numa escola possa ter mudado a vida de alguém é muito gratificante.


As vivências educomunicativas são de fato uma opção para se trabalhar educação hoje no Brasil e acredito como modelo para gerações futuras também. A quebra da barreira entre alunos e professores tornou as experiências muito mais ricas e uma via dupla de aprendizado.

Comentários